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Writer's pictureLetícia Kawano-Dourado

Gravidez e Medicina: existe um momento ideal para ter filhos?

Reflexões sobre o momento ideal de engravidar




Médicas em geral tem filhos mais velhas. Isso se deve principalmente à longa formação: 6 anos de faculdade, 2 anos de residência geral, 2 anos de residencia especializada = no mínimo 10 anos de formação, sem mencionar mestrado e doutorado.


Timing da gestação: Tem um momento ideal? Sendo honesta com vocês, eu acho, em geral, a residência uma fase da formação médica muito pesada para engravidar, a não ser que seja mais para o fim do programa, antecipando um parto após o fim da residência. Todo esse estresse da formação médica nos coloca em maior risco de parto pré-termo. Caso seja possível programar a gestação para fora desse período, melhor para você e seu bebê. Por outro lado, difícil achar um momento em que se conclua ser o momento ideal para engravidar. Não espere por esse momento, a minha dica seria: "apenas evite, se possível, os períodos mais difíceis, como a residência".


Caso a idade esteja batendo à sua porta (35 anos), vale a pena conversar com um Gineco-Obstetra sobre congelamento de óvulos. Além disso, há uma série de medidas comportamentais que podem melhorar a fertilidade natural - e essas medidas se tornam mais e mais importantes à medida que nossos óvulos vão envelhecendo. Segue aqui o link de uma amiga que trabalha exatamente com isso, pena que na Austrália ( e tem um livro lançado recentemente sobre o assunto). Impressionam as taxas de sucesso dela em ajudar casais que falharam ao menos duas fertilizações in vitro e idade "avançada" a bem sucederem em engravidar naturalmente - e o sucesso dela nos informa sobre o impacto positivo de atuar no ambiente, nos hábitos e no comportamento em termos de fertilidade natural.





Para mim, a decisão sobre a maternidade foi uma das mais difíceis profissionalmente. Vou contar para vocês como foi a minha decisão por ter filhos:

Casei aos 23 anos e até os 33, não tinha certeza se queria ter filhos. Numa correria louca na qual eu não conseguia imaginar como seria acrescentar uma criança nela, então, enquanto pude, fui só adiando a decisão. Aos 33 anos, comecei a pensar que apenas adiar a decisão de ter filhos confiando que "mais pra frente poderia então decidir", em breve não seria mais uma opção tendo em vista o envelhecimento dos óvulos. Acresce-se a esse momento a doença da minha mãe. Minha mãe na época estava muito doente e essa realidade da finitude, de alguma forma, mexeu comigo me tirando da inércia sobre o ter filhos.





Decidi então. Não sem ansiedade, que queria sim ter um filho. Nossa, quanta preocupação me tomou...Ficava imaginando como seria minha vida depois do bebê - se eu conseguiria retornar às minhas atividades profissionais, como me organizaria etc, muitas fantasias que nunca me ajudaram a lidar com a realidade mas eram na verdade expressão da ansiedade...

Demorei 2 anos para engravidar do meu primeiro filho, porque houve um abortamento no meio do caminho. Engravidei aos 35 anos. Durante a minha primeira gestação encarei algumas reações negativas no ambiente profissional . Minha gravidez foi colocada em mais de um momento, de forma direta ou indireta, como uma "transformação de personalidade" e que eles (chefes) não sabiam "nem se eu voltaria". Essa hiper-reação desproporcional diante de uma gravidez normal numa profissional apaixonada pelo que fazia me deixou bem assustada pois era a minha primeira gestação e eu chegava a cogitar: "será que era isso mesmo?". Foi um período de emoções ambivalentes (pesar pela doença da minha mãe que avançava, alegria pelo filho) e medo do desconhecido... foi aqui que intensifiquei minha prática de meditação e esse foi um dos maiores ganhos desse período. Gostaria de ter lidado de forma mais "bem-resolvida", mais positiva com tudo isso, mas não foi exatamente assim que aconteceu. Por outro lado, foi muito bom nesse período mais frágil ter tido o suporte do meu marido, minha irmã (que já havia tido filhos), minha psicanalista: fundamental para atravessar esse período difícil.


Apesar das dificuldades, meu primeiro filho nasceu super bem. Minha mãe faleceu quando meu filho tinha 7 meses e foi difícil de acomodar o luto com o primeiro ano de cuidado com um bebê, mas a vida seguiu... e o tempo junto com a meditação fez seu trabalho no meu coração (demorei 2 anos para sair do luto).


O primeiro ano da vida do primeiro filho é uma revolução na vida. A vida muda completamente. Brincamos eu e meu marido que casar não muda nada, ter filhos sim! Assim que meu bebê nasceu, aqueles meses iniciais super demandantes me foram super ansiogênicos (ansiedade de novo!)...eu não sabia como eu conseguiria "voltar a viver normalmente de novo" rsrsrsr, quando voltaria a dormir! Acontece que o que eu também não sabia e fui descobrindo é que o bebê vai ganhando autonomia progressiva e as coisas naturalmente voltam aos eixos.


A outra coisa que aprendi foi sobre a importância de se ter ajuda nessa fase da recém-mãe. É fundamental, e não é demérito nenhum. Cada um vai encontrar sua solução pessoal, seja familiares, ajuda terceirizada (babá), creche, mas sem dúvida, ajuda é necessária. Apenas o casal cuidando de um bebê é pesado demais e olha que meu marido é super presente. Bom, essa é minha opinião

Quanto à minha vida profissional, informo a vocês, que nenhuma das minhas fantasias de ansiedade da época se tornaram realidade. Continuei a mesma profissional que era. A vida voltou gradualmente aos eixos, e após a elaboração do luto da perda da minha mãe, me vi uma médica-mãe, mais feliz, mais energizada e claro mais cansada mas zero arrependida! Hoje, minha caçula com 2 anos, estou atuando plenamente do ponto de vista profissional. Minha carreira de pesquisadora - que acho que é a mais difícil de engatar depois dos filhos - voltou a ascender, a vida profissional voltou aos eixos. Amo essas duas "pulguinhas" que entraram na minha vida. Meus filhos me trouxeram um aguçamento no meu senso de justiça, da necessidade de me posicionar pelo aquilo que acredito para deixá-los um mundo melhor. Vejo esse aspecto como bem positivo na carreira de pesquisa.






No final da minha segunda gestação, aos 38 anos. Que peso!

Resumo da ópera: Difícil encontrar o momento ideal para se ter filhos, mas sem dúvida há fases mais difíceis que outras, como por exemplo a residência médica. Planejamento é fundamental para uma experiência mais prazerosa. Hoje em dia há vários recursos ajudando a mulher a engravidar mais tardiamente, e se necessário vale a pena lançar mão desses recursos se a ideia for protelar a gestação para após 35 anos. Desejo boa sorte a todas que forem se aventurar pela maternidade, é uma experiencia incrível!


Declaração de conflitos de interesse: nenhuma


As opiniões aqui veiculadas representam minha posição pessoal.


Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado




Obrigada!

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