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Writer's pictureLetícia Kawano-Dourado

Meu perigoso "flerte" com o diabetes

Meu Pré-diabetes: tendência genética, idade avançando, e gosto por doces, meu caminho (abortado) rumo ao diabetes

20 de Agosto 2023. Atualizado em 14 de abril de 2024


Se você me acompanha no Instagram, você está vendo que recentemente estou postando o meu diário de pré-diabetes #diariodeprediabetes.

Te conto um pouco aqui dessa história. E se você pensa que estou exagerando, então esse texto é para você.



O problema do diabetes na sociedade moderna é escandaloso, uma verdadeira epidemia global crescente. O número de adultos com diabetes no mundo aumentou de 108 milhões em 1980 para 537 milhões em 2021: um aumento de 5x ou ~400% em 5 décadas! [OMS, Diabetes, Abril 2023 & Diabetes atlas]. Além disso, ainda há mais 541 milhões de adultos com intolerância à glicose*, cenário que os coloca em direto risco de diabetes a curto prazo [Diabetes altas]. *glicemia alterada no teste de tolerancia oral à glicose


O diabetes é uma das principais causas de cegueira, insuficiência renal, ataque cardíaco, derrames, e amputações. É responsável por 1 morte a cada 5 segundos no mundo [Diabetes altas].


Como se não fosse o suficiente, a hiperinsulinemia e a hiperglicemia são direta e indiretamente associadas com aumento do risco de câncer e de dêmencia [Nature Cancer Reviews, 2020 & Diabetes Metab J, 2021]. Quer dizer, a longo prazo, é um péssimo negócio!


Eu tenho tendência ao diabetes. Afirmo isso com base no meu histórico familiar de 1o grau e com base nas minhas glicemias de jejum sempre "coladinhas" no limite superior da normalidade (perto de 100mg/dl) apesar do meu peso ser normal e eu ser fisicamente ativa. Outro ponto que joga contra mim: sou uma formiguinha, adoro um doce!

Durante o estresse da pandemia, ganhei 5 kg (em cima de 3kg extras que ainda da última gestação). Isso me levou para um índice de massa corpórea (IMC) de 23, o que é ainda dentro da normalidade mas uma hemoglobina (Hb) glicada de 5.8, nível pré-diabético, pois está acima de 5.6.


Na época que eu vi essa Hb glicada de 5.8, eu não gostei e decidi emagrecer já que o aumento da gordura corporal era provavelmente a culpada de eu ter "cruzado o limiar oficial do pré-diabetes". A gordura aumenta a resistência à insulina empurrando a pessoa para a hiperglicemia + hipersinulinemia o que determina o adoecimento diabético e suas consequências a longo prazo.


Retomei exercício físico regular que eu havia parado pela pandemia, 3kg foram embora fácil e a Hb glicada caiu para 5.6. A alimentação no geral sempre saudável melhorou ainda mais pelo veganismo*, mas eu sempre comia meus docinhos (meu ponto fraco!) ...quer dizer, ainda não ideal!

*dá pra comer um monte de besteira dentro do "reino vegano" viu! Açúcar, castanhas, cacau por exemplo são de origem vegetal, soma-se aos leites e cremes de leite vegetais que têm gosto incrível, dá para fazer super sobremesas infelizmente, ha ha ha.

Com Hb glicada 5.8, correndo atrás do prejuízo em termos de saúde física (e mental) pós-pandemia. Paris, França

Ocorre que, com meu histórico familiar, somado à constatação de que com 3kg a mais me classifico como pré-diabetes (e isso com IMC de 23!), sinaliza que preciso agir com mais vontade! Pior (ou mais intensamente ainda) se meu foco é longevidade com saúde para os próximos 40 anos!


PS: no meu caso foi descartado Diabetes do tipo 1 do adulto (LADA), e formas raras de "diabetes"como o MODY


O click motivacional foi eu ter lido um livro muito bom sobre longevidade com saúde, o Outlive do Peter Attia, estreia no Brasil prevista para Setembro de 2023.


[Desabafo: finalmente (!!) um conteúdo em longevidade sem charlatanismo, todo baseado em ciência, com ações que fazem sentido sob a perspectiva individual e sob a perspectiva científica]


Nesse livro, o autor, um super "nerd"de metabolismo, explica o problema a longo prazo que é a síndrome metabólica no que se refere a risco de doenças cardiovasculares, câncer, e demência.


Guarde esse conceitos fundamentais: para combater a resistência à insulina, você vai precisar de exercício físico regular (ficar ativo!), construir massa muscular na seriedade, e ter pouca quantidade de gordura visceral

O livro Outlive também mostra como a nossa medicina atual ("Medicina 2.0") falha enormemente em atuar de forma preventiva com foco longevidade com saúde. Esperamos o cálcio na coronária aparecer para agir, o diagnóstico de pré-diabetes ou diabetes, o câncer...Outro problema, os cálculos de risco focam "nos próximos 5-10 anos", enquanto queremos saúde para os próximos 30-40 anos!


A ponta do iceberg

O ADOECIMENTO DIABÉTICO COMEÇA MUITOS E MUITOS ANOS ANTES DA GLICEMIA SUBIR. Antes de qualquer alteração na glicemia, os níveis de insulina já dão sinais de "estresse do pâncreas": a glicemia é ainda mantida em níveis normais MAS às custas de um aumento da secreção de insulina...Esse adoecimento silencioso é entretanto o melhor momento para intervir, agindo antes de que a coisa esteja mais complicada (lesões de orgãos), como por exemplo lesão em orgãos nobres como rins, retina, nervos dos pés, artérias do coração, risco de câncer e demência, para citar alguns.


Como detectar o problema nessa fase inicial

Esse estágio super precoce do adoecimento metabólico pode ser detectado clinicamente através do teste de tolerância oral à glicose (TTOG) medindo-se glicemia e insulina: basal (jejum), depois em 30min, 1h, e 90min e/ou 2 horas. Se a insulina está desproporcionalmente alta em relacao a glicemia, olha aí a resistencia a insulina flagrada.


Note abaixo por exemplo, um TTOG mostrando níveis de insulina bem acima daqueles niveis observados em indivíduos insulino-sensíveis (e isso independe do nível da glicemia pois como expliquei, a primeira alteração é a insulina subir mas ainda conseguir manter glicemia normal):


Curva glicêmica (TTOG) de um paciente da clínica do Peter Attia, compartilhado no podcast The Drive #124

Outra questão importante: o adoecimento metabólico (no metabolismo da glicose) ocorre em fases, sendo a as fases mais precoces, logo ali com 30 min. Só após muitos anos é que passa-se a ter alterações com 60min, depois mais muitos anos para ter alteração com 2h.... e mais outros muitos anos para a glicemia começar a alterar.... enfim veja quanto tempo precioso de prevençao se se detecta o problema em fases mais precoces!

A triste parte da história é que, por consenso médico atual, não se recomenda fazer essa curva assim tão detalhada nem medir a insulina (!!!) sendo recomendado medir apenas a glicose basal, 1h, e 2h (e o acréscimo da medida de 1h ocorreu só agora em 2024!). Por outro lado, vários pesquisadores gigantes do metabolismo da glicose como Gerald Shulman e outros advogam por um diagnostico mais precoce, para se fazer PREVENÇÃO PRIMORDIAL em adoecimento metabólico (óbvio: diagnostico precoce permite um despertar da atenção para o problema)

Todo mundo precisa fazer um TTOG? NÃO Pense comigo, se você é adulto sedentário com circunferência abdominal maior que 80cm em mulheres e maior que 94cm em homens, a probabilidade é alta de haver resistência insulina MESMO com exames normais como glicemia, insulina basal e Hbglicada abaixo de 5.7. Além disso, se voce tem triglicerídeos (colhidos com 12 de jejum) acima de 90mg/dl (veja o Thomas Dayspring explicando isso) isso também o coloca em alta probabilidade de resistência a insulina.

Outros sinais para a prestar atenção são: HDL-colesterol baixo, enzima hepática alterada (TGP acima de 19 para mulheres e acima de 30 para homens), pressão alta, acido úrico alto, sindrome do ovario policístico... Na dúvida pró-réu: Mude seu estilo de vida para sair do ciclo vicioso de adoecimento metabólico, isso só vai te fazer bem!


O conceito saudável da "Medicina 2.0" não entrega longevidade com saúde

Lendo o Outlive, eu e meu marido concordamos que iríamos fazer "em família" uma guinada radical de estilo de vida, com foco em saúde para MAIS 40 anos. Sim, para mais 40 anos! Sempre fomos "saudáveis", MAS de novo, não o suficientemente saudável para pensar em saúde para mais 40 anos! Sabemos que não temos garantias de um futuro tão distante, mas o que estiver ao nosso alcance e depender de nós será feito. Queremos ver filhos e (eventuais) netos crescerem. Além disso, como mãe de filhos pequenos, eu percebi, que meu comportamento influencia meus filhos, outro motivo para mudar!





Fazendo bike em casa com um sensor que monitora a glicemia de forma contínua


Eu decidi:

1. Diagnosticar/mapear o problema

  • instalei um sensor de glicemia continua para "ver o que acontecia com a minha glicemia" frente a determinados alimentos, estresse, exercício. TEM SIDO SUPER EDUCATIVO (ja acumulo um total de 100 dias de sensor)! Nada como ver ao vivo e a cores e na pele uma glicemia subir depois de um doce daqueles. Eu escrevi sobre meu aprendizado com o sensor de glicemia em outro post.

  • fazer uma bioimpedância corporal para ver a % de gordura visceral (a gordura viceral é a vilã da resistência a insulina!)

  • fazer um teste oral de tolerância à glicose com dosagem pareada de glicemia e insulina (melhor exame para ver se há disfunção no metabolismo da glicose mesmo com glicemia normal, pois a glicemia pode estar normal às custas de muita insulina e isso é um problema!)

2. Ações

  • comecei um programa supervisionado de exercício físico forte (cuidado com lesões) - 3x por semana de treino de hipertrofia muscular, 4x na semana de treino aerobico zona2/VO2MAX;

  • Alimentação saudavel que apoia a construção de musculo

  • Seguir monitorando de perto a circunferência abdominal (uma medida indireta de gordura viceral) até repetir a bioimpedância (que será anual)

  • Aqui cortamos o alcool por completo também. Eu já quase não bebia, meu marido ainda tomava uma taça de vinho ao dia. Veja o porquê aqui.

E a metformina?

Vocês sabem que a metformina reduz a resistência à insulina, confere? Ocorre que ela também parece bloquear a sua capacidade de progressão no exercício físico, de ganho de condicionamento progressivo e músculo, vejam um bom resumo das evidencias aqui. Conclusão: não vejo a metformina como primeiro passo frente à resistência à insulina e ela nem é indicada na maioria dos casos de pré-diabetes.


3. Metas

  • Reduzir gordura viceral na bioimpedância em 1 ano

  • Melhorar a Hb glicada e a glicemia de jejum em 6 meses

  • Ganho de massa muscular, e condicionamento físico

  • À longo prazo: envelhecer com saúde, "empurrando" a degeneração física e adoecimento para mais tarde ;-)

    • Note que no processo de envelhecimento, há perda progressiva de massa muscular, massa ossea, flexibilidade e equilíbrio (natural da natureza). Para manter-se bem, é preciso um esforço ativo anti-entropia, PRINCIPALMENTE para aqueles com mais de 40 anos. Nunca é tarde para começar, veja esse exemplo aqui: Joan MacDonald


Reflexões finais:

Longevidade com saúde vai muito mais além do que apenas o foco em um corpo saudável agora, vale a pena a leitura do Outlive para uma visão macro;

Modificações sérias do estilo de vida são imprescindíveis de serem implementadas precocemente se se quer vida com saúde por décadas à frente; a nossa sociedade moderna não facilita, então precisa foco e determinação.


Vamos em frente! Quem vem comigo? Estou postando regularmente meu diário no meu instagram.


Conflito de interesse: Co-fundadora do programa MetaHealth


Sou Leticia Kawano-Dourado

Médica Pneumologista, pesquisadora, metodologista e mãe de 2



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