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Writer's pictureLetícia Kawano-Dourado

O trabalho (emocional) necessário para escrever um artigo científico

Como atravessar algumas armadilhas emocionais na hora de escrever o seu artigo


Vejo muitas fontes ensinando como escrever um artigo científico - aspectos práticos..."começa assim, segue assado"... Mas quase não vejo fontes mencionando o trabalho emocional que é preciso ser realizado para conseguir escrever. Sim, trabalho emocional.

Quem faz pesquisa está acostumado a ouvir a seguinte frase: "eu até gosto de fazer pesquisa mas não gosto de escrever" e, não infrequente, essa é apontada como a causa determinante para não seguir na área de pesquisa. Também é muito comum a pesquisa fluir na coleta de dados e nas análises, mas emperrar na escrita do artigo, tornando-se a fase mais demorada do projeto.




Bom, sabemos que o fenômeno é comum. Ocorre com você? Comigo volta e meia essa dificuldade aparece, mas com o tempo aprendi a lidar com ela. Vou compartilhar meu modo de lidar e espero que seja útil para você também.


Atenção plena (mindfulness)

Quando observo o fenômeno acontecendo, pauso e fico com a emoção. Tento responder "Por que estou me sentindo assim em relação à escrita desse artigo?"

Responder a essa pergunta é fundamental para seguir (ou não!). Por exemplo, se a sensação é de que o assunto é irrelevante, que você concordou em escrever mas não vê real sentido no trabalho, ou vai contra suas convicções....Talvez você não deva mesmo prosseguir - ou ao menos não nesse formato. Ou ao contrário, a pesquisa é muito interessante mas você não domina completamente o assunto, ou dá um frio na barriga de começar a escrever e não ficar bom, há medo de falhar, medo... Aqui é sobre o que quero conversar.





Considerando então nesse segundo cenário, em que o artigo vale a pena ser escrito mas não se consegue escrever, começar a escrever, aqui vão algumas dicas:


1. Perfeição não é pré-requisito

Perfeição é pré-requisito apenas para frustração, rigidez emocional e sofrimento. Abra mão da fantasia de que apenas quando você estiver perfeitamente preparado é que você então vai conseguir escrever seu artigo. Esse momento não é necessário para produzir algo. Conhecimento suficiente é tudo que se precisa para começar.

2. Revise a literatura sobre o assunto e seus dados

Reler os artigos da sua área já com o foco em escrever o seu artigo vai ajudar a ter ideias, entrar no clima da escrita do seu texto. Em seguida, revisite seus dados logo após a revisão da literatura, você vai olhar para eles com outros olhos. Experimente.


3. Comece. Comece!

Parece brincadeira mas se você começar, seja de que forma for, por exemplo, formatando a página do título, você entra no processo produtivo e, na maioria das vezes, consegue então "quebrar o feitiço" e escrever! Depois que você começou, aí sim sugiro consumir a literatura que ensina a escrever, a partir daqui elas passam a ser úteis.


4. Não precisa inventar a roda

Espie artigos semelhantes aos que você pretende escrever, veja como foi estruturado o raciocínio na Introdução, Métodos, Resultados e Discussão. Você conseguiria dar um título para cada parágrafo desse artigo modelo?

Agora faça o mesmo com o seu artigo: crie "títulos" para cada parágrafo que pretende escrever, esses "títulos" são o esqueleto do seu artigo. Com esses "títulos"ou bullet points prontos, agora é só desenvolver a narrativa de cada um.



5. Orientadores servem para orientar

Se você tem um orientador, então, use desse benefício. Ela(e) estão ali justamente para ajudar a navegar nas dificuldades, para ajudar com o processo de aprendizado. Não crie a fantasia de autossuficiência, de entregar um trabalho já pronto. Ao contrário, use essa parceria de aprendizado como uma alavanca para ajudar você a ultrapassar obstáculos.


6. Não confunda você com o seu artigo

Veja, se seu artigo recebeu uma crítica negativa, ou mesmo se você mesmo não está gostando do seu artigo, ok, não há problema nenhum nisso - todos esses fatores são modificáveis, transformáveis e mesmo um autor sem experiência com pesquisa ou escrita científica pode obviamente ganhar experiência. Qual é o demérito em não se ter essa experiência? Nenhum!

Sob essa óptica, comentários de revisores de revistas científicas, principalmente os críticos, podem ser muito úteis, pois nos dão elementos de reflexão e aprimoramento do artigo. Elogios não nos movem 1 cm do lugar de onde estamos e nem nos tiram da zona de conforto... já as críticas sim, essas são potentes catalisadores de mudanças e, portanto, devemos aprender a recebê-las de forma a ampliar e expandir.

O segredo é não deixar a mente confundir o seu artigo com você e a sensação dominante passar a ser a de que "eu não presto"(ou um vago mal estar não-verbal).




Seu valor pessoal não entra na equação. Repito, seu valor pessoal não entra na equação. Se ligar nisso é de uma liberdade e potência de realização incríveis!

Uma autora que trata muito bem desse assunto é a Brené Brown no livro Daring Greatly (traduzido para o Português como "A Coragem de ser Imperfeito"). Nesse livro, a cientista social compartilha seus achados de pesquisa sobre vergonha, culpa, menos-valia e seus antídotos: autenticidade & vulnerabilidade, que ela chama de "coração pleno". Brené também pontua muito bem a diferença entre vergonha (shame) e culpa (guilt): vergonha, na definição dela, é quando ao fazer algo errado a conclusão é "eu não presto" (ou mais profundamente: "não sou bom o suficiente para ser amado"). Culpa é quando a conclusão é "fiz algo que não presta". A vergonha acaba com a criatividade, com a possibilidade de exploração de assumir riscos... nas pesquisas da Brené, a vergonha foi um fator de risco para depressão e/ou suicídio, enquanto que a culpa, não. Super vale a leitura desse livro - e de todos os trabalhos dela. Eu já li e recomendo. Quer uma amostra grátis da Brené? Assiste ao TED TALK dela, é demais:




Além dessas dicas, desejo boa sorte e bom começo. Comece! Sim, comece!


Declaração de conflitos de interesse: nenhum


As opiniões aqui veiculadas representam minha posição pessoal.


Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado




Obrigada!

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