Protetores solares, algum problema? Um pouco de olhar científico sobre as evidências disponíveis
Segue uma sequencia de posts "Pequenas ameaças". Na parte 1 abordei o risco dos PFAs presentes em anti-aderentes e impermeabilizantes. Na parte 2 abordei o risco do alumínio em relação a Alzheimer e câncer de mama. Na parte 3, abordei o problema dos agrotóxicos e neste post e último abordarei o risco (se há risco) dos protetores solares!
Esse é um post diferente. Uso de método científico para consumo "próprio". Pretendo analisar a qualidade da evidência disponível sobre protetores solares para embasar minhas decisões domésticas de reduzir ou não o uso/consumo de determinados produtos e aproveito para compartilhar minhas reflexões com você.
A aplicação tópica de protetores solares é o método preferido de barrar os efeitos nocivos da radiação solar UV. Protetores solares são evidentemente efetivos em prevenir queimaduras solares, fotoenvelhecimento, enquanto que a evidência de que protegem contra melanoma é menos conclusiva, veja aqui.
O assunto retorna com força após estudo recente comprovando a absorção sistêmica dos ingredientes ativos dos protetores solares. A pergunta que se segue é: e daí?
Detalhando o estudo: Em um estudo randomizado controlado conduzido pelo FDA, 24 voluntários saudáveis foram expostos a 4 formulações de protetores solares (6 voluntários expostos a uma das opções de protetor solar) e a medida da concentração plasmática de seus ingredientes ativos foi realizada. 2mg/cm2 de protetor solar foi aplicado em 75% do corpo dos voluntários a cada 6h por 4 dias. Resultados: Concentrações sistêmicas superiores a 0.5 ng/mL foram alcançadas para os 4 produtos. A conclusão desse estudo foi que "a aplicação de protetor solar em dose usada na prática excede o limite estabelecido (0.5 mg/mL) pelo FDA que isentava fabricantes de protetores solares da necessidade de estudos para verificar a toxicidade desses. A absorção sistêmica de protetores solares aponta a necessidade de estudos para conferir o impacto clínico desses achados. Não há evidência no momento que indique a necessidade de suspensão do uso de protetores solares"
Dois ingredientes ativos, o óxido de zinco e dióxido de titânio - compostos inorgânicos, não absorvíveis, são reconhecidos como generally seguros e efetivos, enquanto que para 12 outros ingredientes ativos* não há evidência suficiente para concluir que são efetivos ou seguros e há necessidade de geração de dados por parte dos fabricantes.
*cinoxato, dioxibenzona, ensulizol, homosalato, meradimato, octinoxato, octisalato, octocrileno, padimatoO, sulisobenzona, oxibenzona, e avobenzona
Em específico sobre a oxibenzona e o octocrileno, ambos foram detectados no leite materno. A oxibenzona também foi detectada no líquido amniótico, urina, sangue.
Recentemente a sociedade científica tem sem incomodado com a falta de dados mais consistentes a respeito da segurança dos ingredientes ativos dos protetores solares e os motivos para esse incômodo são:
1. O número de casos de melanoma tem aumentado significativamente a despeito do aumento/popularização no uso de protetores solares
2. Evidências de que protetores solares podem conter ingredientes que se comportam como disruptores endócrinos. Em modelos animais, alguns estudos ( veja aqui) evidenciam perturbação do eixo hipotálamo-hipofisário, interferência nos hormônios sexuais -estrogênio, progesterona e testosterona, causando toxicidade reprodutiva e distúrbios do desenvolvimento nos ratos gestados em ratas expostas a esses compostos.
Por último há evidência de que essas substâncias também poluem o ambiente lesando corais.
Resumo da Ópera: não existe evidência epidemiológica sobre riscos associados a protetores solares. Também não existe evidência a respeito da segurança deles. Existe evidência que os protetores solares são absorvidos e atingem concentrações superiores àquelas que levaram o FDA a permitir a venda "over-the-corner" (mais liberada por menor risco). Agora está havendo um movimento das agencias regulatórias para entender melhor o risco no uso de protetores solares.
Existe plausibilidade biológica, baseada em estudos animais e de bancada, que protetores solares possam estar relacionados com disfunções endócrinas várias e distúrbios do desenvolvimento.
Estamos diante de incertezas significativas aqui nesse cenário.
Minha opinião é a de que tendo em vista a balança de custo-benefício e a ausência de evidência a respeito da segurança dos protetores solares, tenho restringido o uso deles dentro do possível, por exemplo dando preferência à proteção mecânica como roupas com proteção UV, chapéus. Enquanto as agências regulatórias e os cientistas seguem investigando a segurança desses produtos
Lembrem-se que a questão não é apenas a pequena magnitude de efeito nocivo de pequenas quantidades de um determinado produto mas este efeito somado ao uso repetido, ao tempo, e somado a outras inúmeras exposições de risco baixo mas não desprezível: poluição ambiental, PFAs, alumínio, parabenos, BPAs, obesidade, cigarro, sedentarismo, alimentos ultraprocessados, e outros desconhecidos...e é assim que pequenos "odds ratios" de risco se somam à predisposição genética e se transformam numa manifestação clínica bem estabelecida de causa multifatorial, ex, infertilidade ou distúrbios do desenvolvimento.
Declaração de conflitos de interesse: nenhum
As opiniões aqui veiculadas representam minha posição pessoal.
Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado
Então pra quem tem melanose e fotoenvelhecimento, é vive em clima quente, só resta os filtros físicos mesmo... Haja dinheiro...😆
Excelente post, Letícia! Meu interesse nesse tema também é uma decisão pessoal sobre o que continuar consumindo ou não.
Engraçado que mesmo com a ausência de evidências para embasar os benefícios do uso dos protetores solares, todos os dermatologistas/esteticistas consideram esse item de uso obrigatório não apenas para prevenir doença grave (câncer), mas principalmente para uma questão estética (prevenir manchas na pele).
Outro ponto importante: a deficiência de vitamina D, especialmente em mulheres. Algumas pessoas acreditam que a maior incidência de deficiência de vitamina D pode estar associada com o maior uso de protetores solares.