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Writer's pictureLetícia Kawano-Dourado

Trabalho doméstico durante a pandemia da Covid-19

Como retornar com segurança? Como pausar?




Contexto:

O trabalho doméstico se dá em geral em um ambiente fechado, por tempo prolongado, o que sugere potencial alto risco de contaminação tanto para o empregado quanto para o empregador.

Já sabemos que a transmissão da covid19 é muito comum dentro de casa, os pequenos surtos familiares, então é preciso cuidado nesse ambiente, principalmente se está havendo transmissão comunitária de Covid19 na sua região e ainda mais se empregador ou empregado forem de grupos de risco ou co-habitarem com grupos de risco.



Como reduzir o risco de transmissão dentro dentro de casa (no trabalho do empregado doméstico)?

Janelas abertas

Uso de máscaras simples por todos

Evitar aglomerar em ambientes pequenos

Refeições realizadas separadamente

Higiene de mãos e superfícies (mesas, bancadas) constante

Na presença de sintomas sugestivos de Covid19 no empregador = isolamento desta pessoa em um cômodo, isolamento inclusive do empregado, para proteção do empregado.

Na presença de sintomas sugestivos de Covid19 no empregado (ou contato com casos suspeito) = esse funcionário não deve vir trabalhar por no mínimo 7 dias.

Mais sobre isolamento seguro, leia aqui.


Não minimize sintomas. Se começou a se sentir mal, moleza no corpo, diarreia, febrícula, congestão nasal, e/ou tosse, assuma ser Covid19 até que se prove o contrário, tomando todas as medidas necessárias para proteção das pessoas que co-habitam com você e de seus funcionários.

Lembre que o risco de morte por Covid19 é aumentado na população de baixa renda por acesso a serviço de saúde de pior qualidade, ou falta de acesso. Desse modo, trata-se de uma população vulnerável independente de fatores de riscos adicionais.



Quando decidir pausar a vinda do funcionário doméstico e como?

Em locais de transmissão acelerada da Covid19, como por ex. é o caso agora do Sul e Centro-Oeste do país, é bem razoável considerar a interrupção dessa atividade, em especial se na casa moram pessoas do grupo de risco ou se o funcionário é de grupo de risco ou mora com grupo de risco.


Do ponto de vista trabalhista, há uma série de orientações por parte de medidas provisórias (927* e 936, que virou Lei nº 14.020/2020) e notas técnicas do ministério público do trabalho (abril 2020), compiladas aqui com a ajuda do assistente de Juiz do TRT da 2a região, o bacharel em direito, Diego França:

MP 927 caducou hoje, 19 de julho. Postarei atualizações. Na MP 927 havia previsão de que :

O empregador doméstico poderia a) antecipação de férias individuais; b) aproveitamento e antecipação de feriados; c) diferimento do recolhimento do FGTS; d) utilização do banco de horas; e) redução proporcional de jornada e de salário.


Sobre suspensao temporária do contrato de trabalho:


Essa suspensão contratual pode ser chamada de uma suspensão atípica do contrato de trabalho. Isso porque, embora o pagamento do salário em sentido estrito seja suspenso, outras verbas eventualmente existentes devem continuar sendo adimplidas, como cesta básica, plano de saúde e odontológico (penso que aqui, possível corte no plano de saúde poderá ser entendido mais para frente como ensejador de dano moral in re ipsa), seguro de vida, utilidades fornecidas, custeio de escola e faculdades, vale-cultura, dentre outros (ver rol do art. 458, § 2º, CLT).

Importante: as contagens do 13º salário de 2020 e do período aquisitivo de férias mantêm-se normais.

É claro que a concessão de benefícios condicionados poderá ser interrompida, como o vale-transporte (que pressupõe o deslocamento do trabalhador).


Especificamente quanto ao plano de saúde, se houver contribuição do trabalhador, parece que o mais prudente é que, durante o período da suspensão, essa contribuição seja suportada pelo empregador (afinal, deve-se manter a viabilidade técnica e jurídica para o plano permanecer vigente), sem prejuízo de posterior desconto no salário quando encerrada a suspensão.


Discussão longa é quanto às contribuições previdenciárias. Em princípio, não havendo o fato gerador (pagamento do salário), não deve haver recolhimento.


O prazo máximo de suspensão era de 60 dias, agora passou a ser de 120 dias (decreto 10422/2020), sendo o mínimo de 30 dias (poderá, portanto, ser acordado 30 dias de suspensão e, depois, a suspensão ser renovada por mais 30 dias).


Aspectos práticos do acordo de suspensão contratual: para ter validade, a suspensão de contrato precisa ser informada no sistema “eSocial”; não é necessário fazer anotação em CTPS; a suspensão deve ser comunicada ao Ministério da Economia no prazo de 10 dias; no acordo escrito, informar as datas de início e fim da suspensão, a quantidade de dias de suspensão, o local e data, assinatura do empregador e do trabalhador.

A suspensão contratual gera garantia provisória no emprego pelo período da suspensão, contado do encerramento da suspensão.


Fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual:


[o STF, em decisão liminar de 29/04/2020, suspendeu a eficácia do art. 29 da MP 927, que não considerava doença ocupacional os casos de contaminação de trabalhadores pelo coronavírus. A principal consequência dessa decisão é que agora eventual contaminação pelo coronavírus poderá ser considerada como doença ocupacional, salvo se o empregador provar a inexistência de nexo causal.]


Quais EPI’s fornecer? Não há NR específica que trata da questão. Necessário seguir o que o MPT recomenda na nota técnica 04/2020: “fornecer às trabalhadoras e trabalhadores domésticos e diaristas, aí incluídos os intermediados por plataformas digitais, em razão do enquadramento do risco ocupacional, equipamento de proteção individual, consistente em luvas, máscara (simples), óculos de proteção e álcool a 70% para higienização”.

Além disso, lembrar (de acordo com a referida nota) que “é responsabilidade das empresas prestadoras de serviços de limpeza ou cuidado, com profissionais destacados para realizar suas atividades em outras empresas, órgãos públicos ou residências, o fornecimento do equipamento de proteção individual, acima referido, às trabalhadoras e trabalhadores, em qualquer modalidade de contratação”. Isso se aplica, por exemplo, às empresas terceirizadas que prestam serviços aos condomínios.


Para mais sobre o assunto, vejam esse meu video.



E se for decretado confimamento (lockdown)?


Há recomendação do MPT (nota técnica 04/2020), segundo a qual, deve-se “garantir que a pessoa que realiza trabalho doméstico seja dispensada do comparecimento ao local de trabalho, com remuneração assegurada, no período em que vigorarem as medidas de contenção da pandemia do coronavírus, excetuando-se apenas as hipóteses em que a prestação de seus serviços seja absolutamente indispensável, como no caso de pessoas cuidadoras de idosas e idosos que residam sozinhos, de pessoas que necessitem de acompanhamento permanente, bem como no caso de pessoas que prestem serviços de cuidado a pessoas dependentes de trabalhadoras e trabalhadores de atividades consideradas essenciais nesse período”. Trata-se de recomendação, sem caráter cogente, portanto.


E se alguém na casa estiver com covid19?


Outras recomendações importantes na NT do MPT: “garantir que trabalhadoras e trabalhadores domésticos sejam dispensados do comparecimento ao local de trabalho, com remuneração assegurada, pelo período de isolamento ou quarentena de seus empregadores, caso tenham sido diagnosticados ou sejam suspeitos de contaminação da doença”.


É possível exigir que o empregado faça o teste para Covid19?


Do ponto de vista legal esse assunto não está definido. De um modo geral, há quem defenda que sim, poderá haver exigência de realização do teste, dado o cenário excepcional por que passamos. De outro lado, há quem defenda que não pode, por ser conduta discriminatória. Há também uma terceira corrente intermediária (mais acertada, a meu ver), segundo a qual se deve analisar as circunstâncias do caso concreto. Por exemplo, se houver familiares idosos ou pessoas do grupo de risco morando na casa, poderá haver a exigência; caso contrário, não. Assim, em casos excepcionais e com a devida fundamentação, é viável a exigência.


Espero que tenha ficado mais claro! Esse post constou com a assessoria técnica do Diego França, bacharel em Direito pela USP, asssistente de Juiz do TRT 2a região de São Paulo.


Declaração de conflitos de interesse: nenhum


As opiniões aqui veiculadas representam minha posição pessoal.

Eu sou Leticia Kawano Dourado, doutora em pneumologia pelo HCFMUSP, médica pneumologista e pesquisadora do Hospital do Coração em São Paulo. Integro o time de pesquisa da Coalizão Brasil Covid19.


Projeto Respira Evidência por Leticia Kawano Dourado




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